quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Malú

Termino a noite desta quinta-feira, contando a história de Maria Luísa. Parte de sua história, claro, porque Maria Luísa é digna de um livro, escrito por alguém que escreva muito melhor do que eu.
Malú era ruiva, tinha cabelos longos e crespos, corpo cheio de curvas, aquelas que deixam os homens loucos e que, nós mulheres, sabemos exatamente como e quando usá-las. Casou com Gustavo, amigo de um amigo, que conheceu durante a faculdade. Gustavo formou-se com distinção em Engenharia Civil, enquanto ela, largou o curso para fazer Jornalismo.
Malú era inteligente, divertida, sarcástica. Não era muito intelectualizada, mas era esperta e aprendia tudo muito rápido. Tinha um pique digno de um cavalo de corrida e coitado de quem não a acompanhasse seu raciocínio e seu vai-e-vém. Ela gostava de m-o-v-i-m-e-n-t-o: adorava trabalhar, passear, viajar, dançar, cantar, e tantas outras coisas terminadas em “ar” ou “er”...
Gustavo, no mais alto estilo nerd, era um cara legal, boa pinta, boa gente, boa companhia, bom amigo, bom filho, bom marido e tantos outros adjetivos que o definem como bonzinho em alguma coisa. Adorava Malú e fazia tudo por ela.
Durante os nove anos em que estavam casados, não havia um dia que ele não tivesse feito as vontades de Malú e não tivesse sucumbido a um pedido seu.
Ela retribuía, sendo uma mulher “boa” em muitas coisas e assim, ele vivia feliz.
Malú intercalava seções de noticiário nacional e internacional com literatura dos mais diversos gêneros, para redigir suas matérias. Adorava os pocket books, práticos e gostosos de ler e na cabeceira de sua cama, estava “Delta de Vênus” de Anaïs Nin (escritora francesa, nascida em 1903 e bastante polêmica, pois escrevia com base em seus diários, recheados por suas experiências sexuais); já pela metade, devorado com gosto.
Sentada no pufe em frente ao espelho do quarto, toalha enrolada no corpo, Malú escovava o cabelo, preparando-se para dormir. Passavam da uma hora da madrugada de sábado, ela e Gustavo haviam recém chegado de uma janta com amigos, e ele, já estava dormindo.  Malú observava o sono tranqüilo de Gustavo, ele não roncava, não ressonava, não emitia um ruído. Era um homem tranqüilo e perfeito em seu sono profundo.
Ao contrário dela, que sonhava mil coisas durante a noite, rolava de um lado para o outro, roubava as cobertas dele e ria enquanto dormia.
Era feliz com Gustavo, pois ele era um marido perfeito. Não tinham filhos e em comum acordo não pretendiam ter, eram bem sucedidos em suas profissões, ganhavam o suficiente para viajar nas férias e ter uma vida razoável.
Mas faltava alguma coisa. Talvez faltasse um pouco de Anaïs Nin na vida de Maria Luísa.
- Gustavo ? Amor, tá acordado ?
Gustavo não se mexia.
- Amooo-ooor... – sussurrou baixinho.
Nada.
Então, abriu o guarda-roupa e tirou um vestido preto que adorava, aquele pretinho básico que todas nós temos, ou deveríamos ter dentro do armário, e que fica maravilhosamente bem em nosso corpo, dispensando qualquer acessório mais sofisticado. Scarpin preto, gargantilha de ouro branco com um ônix enorme como pingente, brincos combinando. Maquiagem leve, ressaltando os olhos, cabelos soltos.
Foi assim que Malú saiu de casa, dirigindo seu carro em direção à cidade vizinha.
Quando chegou ao local, pensou em Gustavo e em voltar para casa; mas quando viu a rua cheia de carros e os dois seguranças em frente à porta, estacionou.
Em seguida, um dos seguranças veio abrir a porta do carro e ajudou-a a sair, conduzindo-a até a entrada do prédio. Seu colega abriu a enorme porta de ferro preta para ela, levando-a até a recepção. Deixou-a lá, imóvel, diante da segunda porta, igualmente preta e exatamente igual à porta do sonho que havia tido há uns dias atrás.
Respirou fundo, ajeitou os cabelos e o vestido, empurrou a pesada porta e foi em direção a um pedacinho do mundo de Anaïs Nin.